terça-feira, 19 de abril de 2011

Mortalidade violenta entre jovens brasileiros

Ignácio Cano, sociólogo do Laboratório de Análise da Violência, da Uerj, explica os resultados do Mapa da Violência 2011 e do Índice de Homicídios de Adolescentes de 2010, que mostram que a violência letal entre jovens continua em patamares muito altos, principalmente nas regiões mais pobres do país.

Cidades de porte intermediário no interior do Brasil apresentam os índices mais altos de mortalidade entre jovens e o Nordeste é a região com mais violência letal, de acordo com o Mapa da Violência, lançado em 2011 pelo Instituto Sangari. Os dados são confirmados pelo Índice de Homicídios de Adolescentes, produzido em 2010 pelo Observatório de Favelas em parceria com o Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e o Unicef.

Nessa entrevista ao Comunidade Segura, o sociólogo Ignácio Cano interpretou os resultados das pesquisas. Ele alerta que o risco dos adolescentes cresce em relação ao da população em geral e explica que a pobreza e a baixa qualidade da educação estão associadas à violência letal, que deve ser combatida com a inserção social da população mais pobre e políticas de controle de armas e de segurança pública voltadas para a redução dos homicídios.

Na entrevista, Cano discute ainda a implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Rio e a produção e divulgação de dados sobre Segurança Pública no Brasil.

Por Marina Lemle

De acordo com o Mapa da Violência 2011, enquanto a taxa de mortalidade total da população brasileira caiu, a dos jovens subiu, puxada pelos homicídios. Na população não jovem, 2% das mortes são por homicídio. Entre os jovens esse percentual é de 40%. Estamos diante de um genocídio de jovens?Genocídio não é a palavra mais adequada, mas certamente estamos diante de uma situação de crise muito grave que tem impactos terríveis para juventude e a sociedade dos pontos de vista demográfico, econômico e político. Como as pessoas morrem jovens, há impactos na pirâmide demográfica, na geração de renda das famílias, nas mulheres que não encontram parceiros. É uma tragédia que a gente acaba naturalizando e não deveria. Temos que nos mobilizar para considerar que isso é uma circunstância excepcional e não pode continuar.

Como se explica tamanho aumento do número de homicídios de jovens no país nos últimos anos?
Na verdade, está caindo a mortalidade dos outros grupos, então o aumento é mais relativo do que absoluto. Enquanto nos outros grupos está diminuindo a violência, entre os jovens ela continua em patamares muito altos. Fizemos uma pesquisa sobre mortalidade de adolescentes e vimos exatamente isso: em termos relativos o risco dos adolescentes cresce em relação ao da população.
Segundo o Mapa, em alguns estados, mais da metade das mortes de jovens foi provocada por homicídio, enquanto em outros a taxa é bem mais baixa. Por exemplo, em Alagoas, há 125 homicídios por 100 mil jovens e em São Paulo, 25 por 100 mil. A que o senhor atribui essa diferença?
A evolução no Brasil foi agravada claramente pelo Nordeste, sobretudo Alagoas e Bahia, onde as capitais Maceió e Salvador estão conquistando os primeiros lugares. Recife e Vitória continuam num patamar alto, enquanto as capitais do Sudeste estão diminuindo a violência. São Paulo melhorou muito de 2001 para cá. Rio caiu um pouco e vem caindo mais. Está claro que as regiões mais urbanizadas e industrializadas estão conseguindo melhorar enquanto o Nordeste está piorando. Em termos demográficos, isso é bom para o Brasil, porque como a maior parte da população está no Sudeste, significa que as taxas globais caíram. Também é positivo no sentido que as regiões mais urbanizadas e com mais políticas públicas acabam conseguindo um resultado um pouco melhor. Mas é muito grave o caso no Nordeste, assim como a violência no interior.

Como se explica o processo de interiorização da violência?
Um fenômeno que observamos tanto no Mapa da Violência quanto no Índice de Homicídios de Adolescentes é que os municípios de porte intermediário no interior do país estão numa situação muito grave, muitas vezes mais grave do que as capitais. Os municípios do interior não têm a mesma evolução positiva que as metrópoles. Não há tanta política pública e crescimento econômico. Fizemos um estudo no ano passado sobre os fatores que têm mais relação com o Índice de Homicídios de Adolescentes em cada município e encontramos que os três mais poderosos são que a população não seja grande; a pobreza, mais especificamente a renda média dos mais pobres - tem mais impacto elevar a renda dos mais pobres do que elevar a renda média; e a qualidade da educação.

É fato que além de serem os que mais morrem, os jovens também são os que mais matam?
Os dados sobre quem mata são muito mais frágeis do que que os sobre quem morre. Temos muitas informações sobre as vítimas e pouca sobre os autores, porque aqueles que são processados são apenas uma fração. Mais de 92% dos homicídios no Rio, por exemplo, não resultam em punição para os culpados. É uma amostra muito seletiva e não sabemos se é real, mas todos os indicadores apontam que de fato as populações jovens são as protagonistas da violência tanto como autores quanto como vítimas

O que falta nas políticas públicas de segurança e de juventude para diminuir essas taxas?

As políticas preventivas são as de sempre: controle da armas, em que o Brasil avançou bastante, mas ainda tem muito caminho pela frente; melhorar a qualidade da educação; melhorar a renda dos setores mais pobres da população e a sua inserção social; melhorar a taxa de esclarecimento da polícia; e melhorar a política de segurança pública, priorizando os homicídios. Historicamente, a política pública prestou mais atenção a crimes contra a propriedade, sequestros e outros. São necessárias políticas de redução da letalidade, com metas, e melhoras na investigação dos crimes. Em geral não temos uma política pública que priorize o homicídio, mas ele afeta a população toda. As únicas políticas existentes nesse sentido são o Pacto pela Vida, em Pernambuco, o Fica Vivo, em Minas Gerais, e agora, no Rio, em certa medida, as UPPs.

As UPPs podem levar à redução dos homicídios de jovens?
Com certeza, mas em áreas muito concretas. O impacto é local. O que a gente espera é que, a médio prazo, à medida que as UPPs forem se expandindo, gerem um efeito sistêmico, mudando a cultura policial voltada para o confronto e também a cultura do próprio crime, que no Rio é extramamente violenta, de disputa do território. Com a ocupação pela polícia, não haverá disputa por território e os índices de violência cairão. O narcotráfico irá funcionar como funciona na maioria dos países do mundo, sem AR-15 e sem controle da população, diminuindo drasticamente o nível de violência associada a esse crime.

Como o senhor vê a segurança pública no Rio hoje, tendo em vista a aproximação da Copa do Mundo e das Olimpíadas?
Vivemos um momento de expectativa. O que acontecer nos próximo três a cinco anos vai determinar o futuro da cidade e do estado. É uma oportunidade histórica que não podemos deixar escapar, mas para isso precisamos continuar avançando na redução dos homicídios, na expansão das UPPs, na melhora dos salários dos policiais, no fortalecimento das corregedorias e na realização de metas. O fato de terem incorporado os autos de resistência dentro das mortes violentas já é um passo à frente, mas precisamos mais do que isso, precisamos de metas de redução da letalidade policial. E, é claro, precisamos avançar na inclusão social da população mais pobre e na luta contra a corrupção. Nos próximos cinco anos vamos decidir se seremos uma cidade com níveis de violência razoáveis ou se vamos continuar sendo famosos pela violência, além da beleza.

Voltando ao Mapa da Violência, outro dado relevante é que de cada três jovens assassinados, dois são negros. Por que isso acontece?
A pesquisa do ano passado sobre o ìndice de Homicídios de Adolescentes (IHA) mostrou que os lugares onde há mais risco para adolescentes é onde o desequilíbrio entre sexos, raças e meios é maior, ou seja, o risco dos homens é muito maior do que o das mulheres, o dos negros muito maior do que dos brancos e o risco de armas de fogo é muito maior do que outros riscos. Há uma concentração dos homicídios e dos perfis das vítimas em determinados locais. O risco é muito maior em áreas onde a população negra é predominante, como as periferias urbanas, onde o principal perfil das vítimas é jovem, do sexo masculino, negro, com baixa escolaridade. Este perfil está concentrado justamente nas áreas onde a violência é muito intensa. E em termos demográficos, o peso das populações metropolitanas ainda é muito maior.

O que é o Índice de Homicídios de Adolescentes (IHA) e qual a sua importância?
É um índice que tenta apresentar de uma forma mais gráfica o fenômeno dos homicídios de adolescentes: de cada mil jovens que completam doze anos, quantos morrerão por homicídio antes dos 19 anos. Ele dá uma ideia longitudinal, ajudando a estimar o número de mortes ao longo do tempo. É uma outra forma de contabilizar os homicídios de adolescentes e de destacar a gravidade do problema, que muitas vezes fica ignorado. Os adolescentes são um grupo muito importante, porque as crianças todo mundo concorda que tenham que ser protegidas. Já os adultos cometem crimes e recebem um tratamento bastante duro. Muitas vezes não se quer gastar dinheiro com adultos. O adolescente está numa posição intermediária – não suscita tanta simpatia e apoio quanto uma criança mas ainda não é um adulto. O IHA também é uma forma de estimular políticas públicas que devem ser continuadas para a primeira juventude.

Os dados do IHA coincidem com os do Mapa da Violência?
Basicamente sim

Que outros índices existem para avaliar a violência?
A taxa de homicícios, que é um nivelador clássico; taxas de homicídios por grupos de idade; a taxa de mortes violentas, que o Mapa da Violência costuma usar; e a taxa de criminalidade violenta, que além dos homicídios inclui lesões, roubos e outros crimes violentos. Esses dados vêm das secretarias de Segurança. É muito importante também estimular as pesquisas de vitimização, porque, com exceção dos homicídios e roubos de carros, os outros crimes têm um grau de subregistro muito grande. Para mensurá-los são necessárias pesquisas de vitimização.

Como está a produção de dados sobre a violência no Brasil?

Melhorando, mas ainda muito aquem do necessário. Precisamos de mais dados, de melhor qualidade e com mais transparência. Os dados ainda demoram a sair, ainda são considerados sigilosos e quando há risco de repercussão negativa o poder público os nega. O dado acaba sendo um instrumento político de favorecimento, de negociação, de barganha. Isso tem que acabar. Um país democrático não pode usar o dado como mecanismo de troca e negociação política. O dado é pago pelos impostos pagos pela população e portanto é dela.

Há algum modelo a ser seguido?
Em alguns estados há uma legislação específica que obriga a divulgação dos dados, mas não há uma lei geral no Brasil que obrigue que todo dado não sigiloso seja publicado na internet. O modelo devia ser o da área da Saúde. Os dados demoram a sair, mas quando saem, saem completos. Hoje temos todos os dados de mortalidade de 1999 a 2008 na internet. É esse modelo que queremos para a segurança pública.

Ignácio Cano - Rio de Janeiro - Possui graduação em sociologia pela Universidad Complutense de Madrid (1985) e doutorado em sociologia pela Universidad Complutense de Madrid (1991). Atualmente é professor-adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Tem experiência na área de Psicologia Social e Sociologia, com ênfase em Outras Sociologias Específicas, atuando principalmente nos seguintes temas: metodologia de pesquisa, políticas públicas, educação, direitos humanos, violência e segurança pública.

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