terça-feira, 19 de abril de 2011

Extremismo de direita: o vilarejo dominado por neonazistas

Pierre Boulat, abril de 1968
Saudações de Hitler na rua e prática de tiro na floresta: os neonazistas tomaram um vilarejo inteiro na Alemanha e as autoridades parecem ter desistido dos esforços para combater o problema. O lugar passou a simbolizar a crescente influência da extrema direita em partes do antigo leste comunista.

Horst e Birgit Lohmeyer trabalham há seis anos no sonho de suas vidas, a reforma de uma casa na floresta perto de Jamel, um vilarejo minúsculo próximo de Wismar, no Estado alemão de Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental. Birgit Lohmeyer escreve romances criminais, seu marido é músico e ambos tentam fingir que tudo está normal aqui em Jamel.

Não foi fácil encontrar a nova casa deles. Os Lohmeyer passaram meses dirigindo pelo interior todo fim de semana, seguindo para o leste de onde moravam em Hamburgo, mas a maioria das casas que viram era cara demais. Então encontraram a barata casa de fazenda de tijolos vermelhos em Jamel. Ligeiramente em ruínas, mas não distante do Mar Báltico, a casa é cercada por limeiras e bordos, próxima de um lago.

Os Lohmeyer sabiam que um notório neonazista morava perto dali –Sven Krüger, um dono de uma empresa de demolição e membro importante do Partido Nacional Democrático (NPD) de extrema direita. O que os Lohmeyer não sabiam é que outros vizinhos se sentiam aterrorizados por Krüger. Ele e seus associados estavam prestes a comprar todo o vilarejo.

Jamel é um exemplo do problema de extrema direita que aflige Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental há anos. A região rural, antes parte da Alemanha Oriental comunista, tem uma reputação ruim neste aspecto –o NPD, que glorifica o Terceiro Reich, está presente no Parlamento estadual desde 2006 e crimes neonazistas fazem parte da vida cotidiana. Nos últimos meses, uma série de ataques contra políticos de todos os partidos democráticos tem abalado o Estado. Dificilmente passa uma semana sem um ataque contra outro escritório eleitoral distrital, com bombas de tinta, pichações de extrema direita e janelas quebradas.

Norbert Nieszery, líder do Partido Social Democrata (SPD) de centro-esquerda no Parlamento estadual, chama isso de uma “forma inicial de terror”. As janelas do escritório de Nieszery foram quebradas duas vezes. O ministro do Interior estadual, Lorenz Caffier, da União Democrata Cristã (CDU) de centro-direita, diz ter registrado um novo nível de violência extremista de direita. Ele acredita que o NPD está tentando ganhar notoriedade por meio de comportamento agressivo antes da eleição parlamentar estadual em setembro. Um prefeito local pediu proteção policial após receber repetidas ameaças da direita. O Escritório Federal para Proteção da Constituição, a agência de inteligência doméstica da Alemanha, alerta que o NPD está se tornando cada vez mais influente nos municípios locais e os neonazistas estão tentando se entranhar na vida cotidiana.

Crescente preocupação com a influência da extrema direita

Em nenhum outro lugar eles foram tão bem-sucedidos quanto em Jamel. Se os extremistas de direita partissem, o vilarejo ficaria vazio. Jamel não é mais um problema regional ou estadual –até mesmo Berlim está preocupada com a situação.

Wolfgang Thierse, um membro do SPD e vice-presidente do Parlamento federal alemão, o Bundestag, visitou o vilarejo há poucos meses. Ele passou meia hora na sala de estar dos Lohmeyer e prometeu apoiá-los em sua luta contra os neonazistas. Até o momento, nada mudou. Jamel passou a simbolizar o fato de que há lugares na Alemanha onde extremistas de direita podem virtualmente fazer tudo o que quiserem.

Quando os Lohmeyer se mudaram para cá em 2004, eles começaram a reformar sua casa de campo e a fazer contato com os vizinhos –apesar de não com o neonazista Krüger. Eles tinham certeza de que extremistas de direita não eram as únicas pessoas em Jamel.

Apenas gradualmente eles perceberam onde foram parar. O gesso caía de muitas das casas no vilarejo e um telhado tinha desmoronado completamente. Garrafas de cerveja, pneus e botijões de gás estavam jogados atrás de um ponto de ônibus. Havia cercas de metal cercando algumas propriedades e cães de ataque forçavam suas correntes nos jardins da frente. Ninguém se incomodava em remover a suástica rabiscada em uma placa na entrada do vilarejo.

Crianças fazendo a saudação de Hitler

Havia jovens com a cabeça raspada e calças do exército no vilarejo, e rock nazista podia ser ouvido nos campos nos fins de semana. Disparos eram dados nas florestas, onde os neonazistas praticavam tiro –a polícia encontrou posteriormente as cápsulas em trincheiras ali. Quando os Lohmeyer caminhavam pelo vilarejo, as crianças levantavam seus braços na saudação nazista.

Krüger moldou o vilarejo. Ele cresceu aqui, com um pai que era um radical de direita conhecido e que costumava fazer seu filho saudar cada manhã na neve. O jovem Krüger era um garoto à margem na escola, lembra um conhecido, e não tinha amigos até ingressar na cena skinhead. Quando era um jovem adulto, ele incitou capangas de direita a atacarem um camping e passou algum tempo detido sob suspeita de roubo. Mas por muito tempo os Krüger eram os únicos neonazistas no vilarejo.

“Agora”, diz Horst Lohmeyer, “eles veem Jamel como uma ‘zona nacionalmente liberada’” –um termo neonazista para lugares onde estrangeiros e descendentes de estrangeiros devem temer atravessar. Os extremistas tomaram o vilarejo em poucos anos. Eles agora possuem sete das 10 casas e expulsaram todos aqueles que não os aceitavam. Eles derrubaram portas, quebraram janelas, cortaram pneus, hastearam a bandeira imperial alemã e celebraram o aniversário de Hitler. Nos anos 90, eles fincaram galinhas mortas na cerca do jardim de uma família com o alerta: “Nós expulsaremos vocês”.

O vilarejo foi esvaziado e Krüger encorajou seus amigos de direita a comprarem as casas disponíveis. Poucas pessoas ousavam se aventurar em Jamel. Os neonazistas receberam um casal que queria se mudar para lá com um “caiam fora” –e a casa do casal pegou fogo pouco antes de se mudarem. Um novo proprietário só ousou botar os pés no vilarejo acompanhado pela polícia.

Os Lohmeyer transformaram no trabalho de suas vidas não se deixarem ser expulsos de Jamel. A cada ano, eles promovem um festival de rock em um campo atrás de sua casa. O governador Erwin Sellering, do SPD, patrocina o festival desde 2009. A polícia cerca e protege a entrada da área e nos últimos anos as coisas permaneceram calmas.

A ajuda está distante

No ano passado, entretanto, os neonazistas pularam a cerca, xingando e atacando os frequentadores do concerto. A polícia interveio e deteve os encrenqueiros. Mas a polícia nem sempre pode proteger os Lohmeyer –o posto policial mais próximo fica a 12 quilômetros de distância.

Horst Lohmeyer está sentado em sua cozinha, inclinado sobre um mapa, passando seu dedo por estradas e cidades –Gressow, Neu Degtow, Grevesmühlen. Leva 15 minutos para se chegar à delegacia de polícia mais próxima. Quando Krüger se casou no ano passado, o vilarejo foi tomado por várias centenas de extremistas de direita da Alemanha, Holanda e Suíça, incluindo vários políticos importantes do NPD como Stefan Köster, líder do partido para Mecklemburgo–Pomerânia Ocidental.

Jamel se tornou um local de peregrinação da extrema direita –eles vêm de toda a Europa para ver o vilarejo onde os neonazistas dão as ordens. Eles celebraram o casamento de Krüger até tarde da noite, com queima de fogos e rock nacionalista. Os Lohmeyer ficaram acordados na cama, paralisados de medo.

O prefeito Uwe Wandel está impotente diante do movimento de direita em sua comunidade. Ele soa amargo quando fala de Jamel. “A polícia, as autoridades, ninguém ousa intervir”, ele diz. “Os nazistas riem na nossa cara.” Wandel diz que pediu repetidamente por ajuda do governo estadual. O ministro do Interior e uma delegação parlamentar vieram certa vez, ele acrescenta. “Eles permaneceram por 20 minutos, expressaram preocupação e foram embora.”

Ninguém se responsabiliza

Jamel se transformou em um local sem lei, se queixa Wandel, e as autoridades não atuam de modo decisivo contra os extremistas de direita. Ele diz que Krüger pode descartar entulho de demolição e queimar lixo impunemente no vilarejo. O chefe do departamento de ordem pública na vizinha Grevesmühlen diz que autoridades distritais de alto escalão precisam lidar com o problema. Elas, por sua vez, dizem que a autoridade local é responsável por Jamel.

Enquanto isso, Krüger tem planos maiores. Ele é membro do conselho distrital pelo NPD desde 2009 e comprou partes de uma fábrica de concreto em Grevesmühlen, que ele usa como escritório do NPD e de sua empresa de demolição. O logo da empresa mostra o contorno de uma Estrela de Davi sendo esmagada; o slogan é: “Nós realizamos o trabalho sujo”. Arame farpado cerca a propriedade da fábrica e cães latem. Uma placa acima da entrada diz: “Melhor morrer do que ser escravo”. Krüger prefere não comentar as acusações contra ele. Tudo o que ele diz é: “Nada do que é escrito sobre mim é verdade. Eu não tenho nenhuma chance contra o sistema”.

Krüger contratou novos funcionários nos últimos meses. Ele recebe contratos de outros membros da extrema direita, assim como de empresas locais. O prefeito Wendel diz ficar espantado em quão amplas são essas estruturas de direita. “Eu temo uma segunda, terceira, quarta Jamel”, ele diz.

Os neonazistas colocaram uma rocha na entrada do vilarejo. Uma placa pregada na rocha diz: “Vilarejo de Jamel –livre, social, nacional”. Placas ao lado dela apontam para o local de nascimento de Hitler (“Braunau am Inn, 855 km”) e para as ex-cidades alemãs de Breslau (atualmente Wroclaw, na Polônia) e Königsberg (atualmente Kaliningrado, Rússia). Ninguém removeu a rocha. “Nós desistimos de Jamel”, diz Wandel.

Apenas os Lohmeyer restaram.

El País
Maximilian Popp

Retirado de: <http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/derspiegel/2011/01/05/extremismo-de-direita-o-vilarejo-dominado-por-neonazistas.jhtm>
Acesso em 19 de abril de 2011.

Nenhum comentário: