sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

A chimpanzé Washoe

Um macho bonobo
Cada vez mais próximo

Pesquisas mostram que a semelhança entre os macacos e os humanos é muito maior do que se imaginava

"Washoe" é uma fêmea de chimpanzé de 33 anos de idade criada desde pequena em laboratórios de pesquisas. Carinhosa com seus filhotes, esperta e curiosa, ela come com colher, brinca de boneca e, quando fita atentamente os visitantes que a olham do lado de fora da jaula, dá a impressão de que "só falta falar". Não falta, não. Washoe fala. Ela é capaz de se comunicar com os pesquisadores usando uma versão simplificada da linguagem dos surdos-mudos. A chimpanzé consegue elaborar sentenças com sujeito e predicado usando até sete palavras, e os pesquisadores estimam que ela tenha a mesma capacidade de comunicação de uma criança pequena. Washoe faz parte de um dos mais instigantes movimentos científicos dos últimos anos. Existem hoje, nos laboratórios americanos, 1.600 chimpanzés sendo estudados por psicólogos, lingüistas e biólogos. E os frutos de todo esse trabalho começaram a surgir nos últimos meses, numa série de estudos que vão do esclarecedor ao altamente polêmico. Todos eles, porém, são unidos por uma conclusão comum: os macacos são muito, mas muito mais parecidos com os humanos do que se pensa.

Segundo os cientistas, os macacos pongídeos termo usado para designar os bichos mais próximos do homem, como gorilas, orangotangos, chimpanzés e bonobos vivem em sociedades organizadas, em que as relações entre os indivíduos são semelhantes às humanas. Diferentemente dos animais mais primitivos, aos quais se atribuem apenas emoções simples, como medo e fome, os macacos parecem possuir sentimentos complexos, como compaixão e solidariedade. Sua capacidade intelectual está muito acima de todo o restante dos bichos. E, para quem faz questão de comparações traduzíveis em números, a diferença entre o código genético dos chimpanzés e o dos seres humanos é de apenas 1,6%. Outra semelhança assombrosa foi discutida num artigo publicado há um mês pela revista Science. Sugere-se que a linguagem é uma aptidão inata entre homens e macacos. O conjunto desses estudos vem causando tamanha comoção que no final de 1997 um grupo de biólogos, assessorado por advogados ambientalistas, publicou um documento pedindo a extensão dos direitos humanos aos pongídeos, sob o argumento de que eles também podem ser considerados "pessoas".

Ecologices à parte, algumas pesquisas vêm trazendo novidades importantíssimas. Muitas delas são descritas pelo psicólogo experimental Roger Fouts num livro que acaba de ser lançado no Brasil: O Parente Mais Próximo (Objetiva; 420 páginas; R$ 29,00), resumo de uma pesquisa sobre chimpanzés que durou 31 anos para ser concluída. A história do livro começa em 1966, quando o autor iniciou a pesquisa ensinando à chimpanzé Washoe, então com 2 anos de idade, a língua dos surdos-mudos. Criada "como um morador de classe média de Oklahoma", nas palavras do autor, ela foi ensinada a tomar banho, vestir roupas e comer com talheres. O cientista logo notou que o processo de aprendizado dos macacos era incrivelmente semelhante ao dos humanos. Quando não sabia qual era a palavra apropriada para definir um objeto, Washoe juntava dois termos próximos (diante de uma melancia, fruta que não conhecia, disse "melão de água"). Mas foi na adolescência que Washoe deu a maior prova de sua inteligência. Já era conhecido o fato de que as mães chimpanzés ensinam os filhotes a manipular objetos por exemplo, usar uma pedra para abrir um coco. Superando as expectativas, Washoe logo tratou de ensinar ao filhote a língua dos surdos-mudos.

Nunca, desde o tempo em que a Teoria da Evolução de Darwin ainda era posta em dúvida, as publicações científicas falaram tanto sobre macacos. Essa onda foi despertada por duas novidades da segunda metade deste século. A primeira delas foi o surgimento da etologia como um ramo oficial da ciência que se dedica a comparar o comportamento dos homens com o dos animais. A outra se deve ao estudo mais detalhado dos ácidos nucléicos, que formam o código genético. Quando os cientistas perceberam que poderiam decifrar a linguagem química que determina todo o "projeto" dos seres vivos, o interesse se voltou imediatamente para nossos parentes mais próximos. Isso corrigiu uma injustiça científica de décadas. Durante muito tempo, chimpanzés e gorilas foram estudados apenas superficialmente. A maioria dos trabalhos tratava de animais em cativeiro. Nos últimos quarenta anos é que os pesquisadores se deram ao trabalho de se enfiar na selva para descobrir como nossos primos se comportam na natureza.

Descobriu-se que a violência "selvagem" atribuída aos animais, na verdade, está longe de ser apenas irracional e instintiva. Entre os chimpanzés, como entre os homens, a violência se manifesta principalmente nas relações sociais. "Um grupo de chimpanzés pode declarar guerra contra outro para conquistar uma área farta em alimentos. Ou apenas para estender o território", explica Eduardo Ottoni, professor de etologia da Universidade de São Paulo. Falar de "guerra" para se referir às lutas dos chimpanzés não é exagero. Nesse tipo de disputa, os macacos invasores usam táticas de guerrilha, cercando a área que pretendem conquistar e emboscando, um a um, os machos adversários. Depois de fazer uma faxina étnica nos inimigos, eles se apossam das fêmeas e ficam com o butim. Ao vencedor, as bananas.

Mais surpreendente ainda é a descoberta de que os macacos também exercitam a diplomacia. "Os chimpanzés são mestres em jogos políticos. Eles fazem alianças e são capazes de calcular a relação custo-benefício que delas advém", diz Fouts. Um exemplo de como isso funciona é a aproximação entre um chimpanzé galanteador e uma fêmea que já tem filhotes. Assim como as crianças humanas, os pequenos chimpanzés são um verdadeiro teste de paciência para os adultos. Eles se esforçam de todas as maneiras para chamar a atenção, gritando como desesperados ou saltando sobre as costas dos crescidos. A reação normal do grandão, bombardeado pelas macaquices do baixinho, é aplicar-lhe um corretivo. Mas a situação é diferente quando o macho está interessado numa fêmea com prole. Se os filhotes percebem que a mãe é assediada, redobram sua cota de travessuras, em atitudes que podem ser interpretadas, segundo os pesquisadores, como demonstrações de ciúme. Os macaquinhos puxam os pêlos do rival, cutucam-no e chegam a jogar nele punhados de areia. O macho sabe que ser rude com o macaquinho pode ser uma atitude negativa para seu projeto de conquistar a mãe dele. Por isso, agüenta toda a chateação como se não estivesse se incomodando.

A vida sexual dos macacos é um capítulo à parte. Comprovou-se que, diferentemente do que se pensava, o homem não é o único animal que faz sexo apenas pelo prazer, desvinculado da função reprodutiva. Os macacos se entregam alegremente a jogos sexuais, com direito a particularidades que se julgavam exclusivas da espécie humana. Os bonobos mantêm relações como a espécie humana, o macho de frente para a fêmea. Isso, segundo o antropólogo Claude Lévi-Strauss, era o que diferenciava o homem das bestas. É comum, entre bandos desses macacos, que aconteçam relações homossexuais, seja entre machos ou entre fêmeas. E, entre os orangotangos, não é raro que o macho incapaz de conquistar uma fêmea recorra ao estupro.

Mas há constatações mais nobres sobre a evolução dos macacos. Durante séculos, os grandes argumentos teóricos para justificar a superioridade do homem sobre os animais foram a razão e os sentimentos elevados. As pesquisas recentes reduziram drasticamente a distância teórica entre os macacos e o homem. "Eles são capazes de manifestar simpatia, senso de justiça e moral", diz Frans de Waal, autor de dois livros sobre os bonobos. Em 1996, um menino de 3 anos de idade caiu em um fosso de 6 metros de profundidade no Zoológico de Brookfield, em Chicago. "Binti Jua", uma gorila de 8 anos, moradora do lugar, não só resgatou o garoto como ainda o embalou nos braços e o entregou cuidadosamente aos bombeiros que chegavam para salvá-lo.

A atitude de Binti não é exceção no planeta dos macacos. Entre os chimpanzés não é incomum que ajudem os companheiros feridos. Trazem-lhes comida e protegem-nos do ataque de rivais e predadores. As fêmeas bonobos protegem as companheiras durante o parto e, quando o filhote nasce, comemoram com urros. Os pais brincam com os pequenos, dando cambalhotas e fazendo cócegas, e os protegem até a adolescência época problemática também entre os macacos. Assim como os humanos, os jovens bonobos ficam intratáveis e têm dificuldades de convivência com o resto do grupo, leia-se os mais velhos. A questão que se coloca agora é que, depois de pôr em xeque a superioridade do homem, a ciência ainda não foi capaz de estabelecer até onde os macacos podem chegar. "O chimpanzé tem o sistema nervoso equipado para uma vida de contínuo aprendizado", diz Fouts. Mas até que ponto esse animal consegue aprender? Depois da divulgação dos estudos sobre a linguagem dos macacos, um grupo de lingüistas chegou a admitir que a teoria da linguagem inata pode até ser válida. Mas, pelos seus cálculos, um macaco jamais poderá atingir um nível de linguagem superior ao de uma criança de 2 anos.

Por Valéria França
Retirado de: http://veja.abril.com.br/280198/p_044.html

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