quarta-feira, 6 de julho de 2011

25 gangues apavoram gays e negros nas ruas da cidade

Polícia Civil de São Paulo identifica 200 integrantes de grupos extremistas. Skinheads entre 16 e 28 anos são investigados por "crimes de ódio" que deram origem a 130 inquéritos policiais.

Eles são jovens, com idades entre 16 e 28 anos. Têm ensino fundamental e médio. Pertencem, em sua maioria, às classes C e D. Usam coturnos com biqueiras de aço ou tênis de cano alto, jeans e camisetas. São brancos e pardos -negros, não. Cultuam Hitler, suásticas e o número
88. A oitava letra do alfabeto é o H; HH dá "Heil, Hitler", a saudação dos nazistas. Consomem baldes de álcool. As outras drogas têm apenas uso marginal. Ostentam tatuagens enormes em que se leem "Ódio", "Hate", ou "Ame odiar". A propósito, odeiam gays e negros. São de
direita. Gostam de bater, bater e bater. E de brigar.

O perfil dessa turma, auto-denominada skinheads por influência do movimento surgido na Inglaterra durante os anos 1960, quem traçou foi a Decradi (Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância), da Polícia Civil do Estado de São Paulo. No total, a Decradi já identificou 200 membros de 25 gangues com nomes como Combate RAC (Rock Against Communism- rock contra o comunismo, em português) e Front 88 (sempre o 88).

São integrantes desses grupos que aparecem com mais frequência como agressores de negros, gays e em pancadarias entre torcidas organizadas, quando encarnam a faceta "hooligan". Também a exemplo do que ocorre na Europa, skinheads são especialistas
em quebra-quebra entre torcedores.
A delegada Margarette Correia Barreto, titular da Decradi, é quem lidera o esforço de identificação dessas gangues. Atualmente, na delegacia, há 130 inquéritos envolvendo os "crimes de ódio"- motivados por preconceito contra um grupo social.

"O alcance e a repercussão desses ataques, entretanto, é muito maior do que em um crime comum. Se um homossexual é atingido, todo o grupo sente-se atingido", exemplifica a delegada do Decradi. "É uma comoção."

Pelo levantamento da polícia, o foco dos "crimes de ódio" é a região da avenida Paulista e da rua Augusta, na região central da cidade. Segundo a delegada, ali é "a nossa faixa de Gaza".

O motivo é que a área tem a maior concentração de bares frequentados por gays e por skinheads -cada turma no seu reduto, mas todos muito perto uns dos outros. "Eles acabam se encontrando pela rua", diz a delegada.

Ex-punk, policial monitora agressores Investigador acompanha as ações de grupos homofóbicos em SP; torcidas organizadas também estão na mira. Delegacia especializada também investiga os crimes contra negros, judeus e nordestinos cometidos na internet.

Um investigador de polícia, ex-punk, é quem monitora os skinheads e os punks homofóbicos na Decradi. Outro investigador, responsável por se antecipar aos movimentos dos "hooligans" nos estádios, está em permanente contato com as torcidas organizadas.

Uma delegada-assistente é quem cuida da frente de crimes de ódio na internet. No total, 20 policiais, incluindo a delegada Margarette Correa Barreto, 44, integram a força-tarefa paulista para cuidar dessas modalidades de ataque.

Foi assim que se conseguiu localizar, intimar, colher o depoimento e concluir o inquérito no caso da jovem que, nos dias seguintes à eleição de Dilma Rousseff, usou o seu perfil no microblog twitter para conclamar: "Nordestisto [sic] não é gente, faça um favor a Sp, mate um
nordestino afogado!".

"O problema é que o crime de ódio tem características de onda. Depois da repercussão daquele caso, ocorreu um tsunami de manifestações antinordestinos na internet", afirma a delegada.

No total, 40% de todas as ocorrências atuais da Decradi já se referem a casos cibernéticos, envolvendo, pela ordem, ataques a negros, judeus e nordestinos.

Essa é apenas a pequena parte sobre a qual existem denúncias e investigações. Um breve passeio no Orkut permite que se encontrem comunidades dedicadas a defender que "uma bomba atômica seja despejada na África", o "estupro corretivo de lésbicas" e a destruição do Japão, entre outros ataques.

Outra dificuldade particular dos crimes de ódio é que, para muitos agressores, torna-se motivo de orgulho ser pego pela polícia - é como se fosse um atestado de devoção à "causa".

"Tivemos o caso de um skinhead que, flagrado quando ia atacar uma vítima, foi detido e trazido ao Decradi. O rapaz estava eufórico.Dizia que, enfim, conseguira se igualar ao irmão e teria um quadro no quarto com seu próprio BO por agressão", lembra a delegada.

A terceira ordem de problemas refere-se à produção de provas dos crimes de ódio. Não basta que um homossexual seja atacado na rua para que se configure a prática de crime de ódio.

"É preciso que fique provado que o ataque teve como motivo a orientação sexual. Se foi, por exemplo, um assalto que teve a circunstância de ter uma vítima homossexual, descaracteriza-se a ação como crime de ódio."

Por fim, os alvos do crime de ódio mudam, conforme também muda a sociedade. "Pouquíssimo se falava nos Estados Unidos a respeito de ataques à comunidade islâmica do país", afirma.

"Mas depois da explosão das Torres Gêmeas, em 11 de setembro de 2001, houve uma avalanche de agressões -motivadas pelo puro preconceito- a mesquitas e a símbolos do Islã."

No Brasil, a delegada aposta: a próxima onda de intolerância terá como alvo a comunidade de bolivianos, muitos deles imigrantes ilegais subempregados nas fábricas de roupas do Brás (centro de São Paulo). "Os bolivianos são muito vulneráveis, porque não têm organizações
próprias fortes e porque têm medo que, denunciando os maus-tratos que sofrem, tornem-se visados pela imigração brasileira", diz a delegada.
(LAURA CAPRIGLIONE)

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